"Memórias Sexuais no Opus Dei"

“Memórias Sexuais no Opus Dei”

Escrito pelo professor do Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo, 41, o livro ataca o grupo católico ultraconservador relatando casos de repressão sexual e “lavagem cerebral” em um centro do Opus Dei em São Paulo, frequentado por ele durante dez anos (1985-1995).

O autor adota um tom testemunhal, de desabafo, acerto de contas com o grupo. Ele detalha como funciona o Opus Dei (Obra de Deus, em latim) e dá nomes aos bois, identificando líderes do grupo em São Paulo. O livro tem um potencial explosivo por misturar sexo, religião e aliciamento de jovens.

“Acho que os clubinhos do Opus Dei são locais muito perigosos para as crianças e adolescentes”, escreve o professor. Em seguida, ele arremata: “Mesmo sem ter presenciado casos explícitos de pedofilia, acho que é preciso repensar esse esquema todo”.

Gays e virgindade

Sobre a presença de gays no Opus Dei, o autor escreve: “É óbvio que existe homossexualismo entre os numerários do Opus Dei, mas a gente nunca fica sabendo”. Hoje Brolezzi é casado. No livro, ele conta que sua primeira relação sexual só ocorreu aos 30 anos, após vencer os bloqueios atribuídos à convivência na organização religiosa.

O livro explica alguns termos do Opus Dei. “Numerários” são membros celibatários do grupo e que “mandam na Obra”, uma espécie de “Cavaleiro Jedi”. Já os “supernumerários” podem casar e “servem para dar dinheiro para a Obra e gerar filhos que devem frequentar os clubinhos”.

O autor revela critérios pouco edificantes usados pelo Opus Dei para ampliar seu rebanho: “A idéia é perseguir as pessoas, escolhendo os peixes grandes –pessoas da elite financeira e intelectual (…) Não nos interessavam as moças, os cabeludos, os tatuados, os que usavam brincos, os que tinham jeitinho de gay”.
Segundo Brolezzi, não interessavam à Obra estudantes das áreas de ciências humanas, como letras, história, jornalismo, filosofia, psicologia e sociologia. “Para o Opus Dei, interessavam, sobretudo, estudantes universitários de cursos como Engenharia, Matemática, Física, Química, Administração de Empresas, Odontologia, Medicina ou Direito”.

Macacão antimasturbação

Os trechos realmente mais picantes surgem do meio para o final do livro, quando são descritos formas de reprimir o prazer sexual. Por exemplo, o “macacão antimasturbação” era uma camisa de mangas longas costurada a uma calça jeans, que era vestida ao contrário, com o zíper voltado para trás, a fim de evitar o contato das mãos com o (…).

Mesmo condenada pelo grupo (“Desde os primeiros anos, é colocado um vírus no seu cérebro que faz você se sentir um pervertido sexual”), a masturbação era inevitável e logo teria de ser admitida em confissão, segundo o autor: “Lembra-se da fila dos batedores de (…) que se formava na sacristia minutos antes da missa todos os dias? Não sei se falei que eram todos jovens”.

O livro revela também as práticas ascéticas do grupo, como o uso de um chicotinho e uma corrente de malha metálica cheia de pontas. “O jovem entra em um banheiro da parte superior interna do centro, tranca a porta, abaixa as calças, curva-se para a frente e começa a se chicotear com um instrumento construído para causar dor, chamado disciplinas.”

Em seu livro, o professor da USP define o Opus Dei como “uma seita que se encalacrou na Igreja Católica por meio de politicagem e da obtenção de aprovações necessárias dos papas”.

Desde que João Paulo II a ungiu o Opus Dei com o status de prelazia pessoal, em 1982, a Obra tornou-se oficialmente corpo e sangue da Igreja. Prevista pelo Concílio Vaticano II (1962-1965) e incorporada pelo Código de Direito Canônico, essa nova figura jurídica garantiu ao Opus Dei um duplo privilégio. Por um lado, espalha-se pelo mundo sob o escudo da tradição milenar da Igreja de Roma. Por outro, é independente dos bispos e dioceses. A Obra só obedece ao prelado, cargo vitalício hoje ocupado por dom Javier Echevarría. E ele só presta contas ao papa.

Dentro do Vaticano, o Opus Dei incomoda os cardeais mais progressistas, que assistiram alarmados às demonstrações de entusiasmo de João Paulo II. A canonização do fundador da Obra aconteceu em tempo recorde para os padrões da Igreja, apenas 27 anos após sua morte. Bem diferente, por exemplo, do caso de José de Anchieta, cuja patente de santo é uma causa antiga dos brasileiros: o jesuíta morreu em 1597, mas só se tornou beato em 1980 e não há estimativa de quando possa virar santo. Antes da canonização, Escrivá era uma figura controversa. Jesuítas espanhóis o acusavam de criar uma ‘maçonaria dentro da igreja’ e até de promover ‘uma nova heresia’.

Bento XVI é mais sóbrio na exposição de seus afetos que seu antecessor, mas a obediência dos membros do Opus faz da instituição um aliado valioso em um mundo onde a maioria dos fiéis prefere escolher as próprias opiniões. ‘Obedecei, como nas mãos do artista obedece um instrumento – que não se detém a considerar por que faz isto ou aquilo – certo de que nunca vos mandarão coisa que não seja boa e para toda a Glória de Deus’, aconselha Escrivá.

O vaticanista John Allen Jr estima o patrimônio da organização em US$ 2,8 bilhões – pouco se comparado ao da Igreja nos Estados Unidos (US$ 102 bilhões), muito se o parâmetro for a quantidade de membros. Cada numerário é obrigado a deixar salário e patrimônio para o Opus Dei. ‘Quando completei cinco anos na Obra, tive de lavrar um testamento deixando minha herança para a instituição’, conta o ex-numerário David Fernandes, engenheiro do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA). ‘Quando saí, não me devolveram nada, mas acredito que não tentem me tomar as coisas. Se a Obra é tão boa, por que não há uma plaquinha na frente de cada centro dizendo o que são?

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